Entrevista – Emir José Suaiden

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Professor da Universidade de Brasília (UnB), Emir José Suaiden, 66 anos, é um grande apreciador de livros e bibliotecas, relação que permitiu o então jovem porteiro e engraxate a desfrutar de novas oportunidades na vida. Embora quando criança quisesse ser médico, foi na biblioteconomia que o paranaense encontrou a sua vocação. Formou-se em 1971, na UnB, obteve o título de mestre em 1980 pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o de doutorado pela Universidad Complutense de Madrid, na Espanha, em 1989. Entre outras atividades, ele presidiu a Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (2003-2005).

Confira a entrevista:

Qual é a realidade da divulgação científica e tecnológica (DCT) hoje no Brasil?

Emir Suaiden: Eu vejo a DCT como um processo em construção. De fato, atualmente desfrutamos de avanços, mas temos muito a percorrer para que a cultura científica seja melhor enraizada na sociedade.

Para isso, entendo ser essencial que a informação de C&T seja prioridade nas escolas, principalmente nos ensinos fundamental e médio. As instituições precisam contemplar em suas grades curriculares disciplinas científicas. Muitos jovens deixam a educação formal sem compreender o básico sobre o tema, o que prejudica toda a sua experiência profissional e até mesmo pessoal. É importante para os nossos estudantes esse tipo de conhecimento, para estar mais a par da realidade atual e dos desafios contemporâneos.

Além disso, a DCT permite a preservação da memória do nosso patrimônio cultural e cientifico. Os canais de divulgação prestam grande serviço quando exploram o tema e ressaltam fatos científicos de destaque, sejam da atualidade ou históricos. O Canal Ciência, portal da divulgação do IBICT, por exemplo, reserva parte das suas atividades à história da C&T e de importantes nomes nacionais do sistema. A revolução tecnológica favoreceu amplamente uma melhor narrativa e exposição da nossa história.

Quais são as barreiras que atrapalham o desenvolvimento mais pleno da DCT?

Emir Suaiden: O principal obstáculo é a falta de conscientização social, problema relacionado a outra dificuldade, que é conquistar o interesse da imprensa, apesar da variedade de canais disponíveis hoje. Mesmo fatos de destaque do meio acadêmico encontram resistência para estar na grande mídia.

O próprio cientista também precisa ser acessível e disponibilizar informações sobre o que ele realiza. Considerando que cerca de 90% da pesquisa nacional é financiada por recursos públicos, é um direito social saber o que se passa no sistema científico. É uma forma de exercer a transparência e a democracia.

Quais são os incentivos públicos em benefício da divulgação?

Emir Suaiden: O IBICT, particularmente, procura ser proativo exatamente no segmento escolar. Através do portal Canal Ciência, disponibilizamos em tempo real informações pertinentes para as pesquisas, tanto aos professores, quanto aos estudantes. Se por um lado a DCT é fundamental para o contexto social, também o é para o IBICT, pois trabalhar com a informação de C&T sem priorizar a divulgação é impossível.

O que mais o atrai na DCT?

Emir Suaiden: Há dois fatores essenciais. O primeiro deles é a complexa e instigante tarefa de transpor a linguagem do ambiente acadêmico para o contexto de entendimento global. E, mais do que apenas expor, é preciso ser hábil para convencer o cidadão.  A outra questão é a do número de veículos dedicados ao tema, pois o aumento desses canais representa o aprofundamento científico no tecido social, bem como o crescimento do interesse das pessoas e instituições.

Como o senhor avalia a interação entre divulgadores e cientistas?

Emir Suaiden: Esse é um aspecto determinante para o processo e que está em construção e aperfeiçoamento, como a própria DCT. Os programas de pós-graduação dedicados ao campo ainda são poucos, mas possuem uma importante função que é a de promover debates e discussões, estimulando a produção acadêmica da divulgação como um todo.

Há que se considerar, também, que muito da interação entre tais agentes ocorre por processos informais, complicados de serem identificados, medidos, analisados e classificados, pois se dão fora de padrões formais. Parte considerável da aproximação do pesquisador com a divulgação acontece por essas vias.

Os jornalistas costumam procurá-lo com frequência?

Emir Suaiden: O contato é mais frequente com a Assessoria de Comunicação do IBICT, mas a procura da imprensa por DCT é reduzida. Um dos assuntos mais requisitados é a biblioteca digital de teses e dissertações, projeto que envolve campos correlatos, como a educação e também a cultura. Eu gostaria que o interesse da mídia fosse maior.

O Canal Ciência é um instrumento muito eficiente e ativo no ambiente escolar e na popularização da C&T, mas a projeção poderia ser outra, caso o jornalismo tivesse uma atuação mais concreta na academia.

Há um perfil padronizado que represente um bom divulgador?

Emir Suaiden: Uma característica determinante é a competência informacional, ou seja, saber buscar, selecionar e analisar os dados disponíveis. A falta de informação e de habilidade para lidar com o fluxo de dados nos dias de hoje condena o profissional à baixa qualificação e o público, à exclusão social.

Geralmente, o público da divulgação é classificado como “a sociedade como um todo”. Porém, há segmentos mais delimitados que compõem esse universo. O senhor observa amostras mais significativas dessa população?

Emir Suaiden: Realmente, o contexto da divulgação engloba segmentos bastante amplos. No Canal Ciência, um foco específico é o atendimento à parcela jovem da sociedade, exatamente pela possibilidade de investimento da cultura científica em pessoas em processo de formação. O sistema hoje busca conquistar o pesquisador desde cedo, ao contrário de anos atrás, quando as oportunidades para o cientista eram maiores na faixa etária mais avançada.

Quais são as perspectivas de trabalho para quem optar pela DCT?

Emir Suaiden: Eu observo um mercado promissor e em crescimento. A divulgação oferece muitas oportunidades para profissionais de formações diversas, como o jornalista cientifico, o bibliotecário, o arquivista e o museólogo. O mercado é amplo, com muitos segmentos, mas precisa se desenvolver e aperfeiçoar, dar passos mais largos. Uma política específica de DCT é determinante para essa expansão.

Como o senhor observa a interseção entre a divulgação científica e as bibliotecas, especialmente as públicas?

Emir Suaiden: Hoje, essa conexão passa pelas chamadas tecnologias da informação e comunicação, que permitem aos usuários serem mais ativos e produtivos no processo de pesquisa.

Na sociedade industrial, frequentadores das bibliotecas públicas de toda a America Latina eram leitores passivos e dependentes, em todos os sentidos. Eles se limitavam à reprodução dos conteúdos enciclopédicos. A globalização e a tecnologia trouxeram um ambiente propício ao agente mais crítico e analítico, também produtor de informações e discursos.

Entendo, portanto, que a biblioteca pública possui uma grande responsabilidade, que é oferecer materiais diversos, com qualidade e em formatos distintos – impressos e digitais. As consequências desse contexto se refletem em todos os campos, inclusive reformulando o relacionamento acadêmico com o cidadão que busca a informação de C&T.

Fonte: Confap.org.br

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