O conceito de Entidades Tecnológicas Setoriais (ETS) foi formulado pelo Governo para denominar organizações voltadas para gestão de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), qualificação e organização de informações tecnológicas setoriais e prestação de serviços técnicos, entre outras ações. Desde 1992, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) tem discutido a atuação das ETS – na articulação entre setor produtivo, institutos tecnológicos e agentes financiadores – buscando agilizar o atendimento às demandas tecnológicas de setores da indústria nacional. Mas o diálogo entre Governo e setor produtivo ainda é incipiente, de acordo com o diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (PROTEC), Roberto Nicolsky. “O Governo tem tido boa vontade para dialogar, mas tem uma visão própria de desenvolvimento tecnológico e inovação que pode ser ineficiente”, afirma.
Em 2006, a PROTEC recebeu do Ministério a incumbência de articular as ações das ETS em torno das demandas tecnológicas comuns a todos os setores. A Rede de Entidades Tecnológicas Setoriais (RETS) foi criada com o propósito de fortalecer as ETS existentes e estimular o surgimento de novas entidades. “Muitas ETS são subprodutos de associações setoriais, que estão mais voltadas para uma agenda reivindicatória, de sobrevivência. As demandas tecnológicas ficam em segundo plano, por isso é importante institucionalizar um projeto tecnológico na forma de outra entidade”, explica Nicolsky. “A PROTEC e a RETS têm se dedicado a criar um ambiente de P&D nos setores, e para isso os eventos setoriais e os cursos de capacitação em projetos de inovação tecnológica e propriedade industrial são essenciais”. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista com o diretor-geral da PROTEC.
Qual era o cenário das entidades tecnológicas setoriais quando surgiu a RETS?
Roberto Nicolsky: A primeira constatação, ao se criar a Rede, foi a de que havia uma grande diversidade de ETS. Não se pode falar em entidades tecnológicas setoriais em um sentido genérico da palavra, pois há ETS absolutamente diferentes em sua abordagem das demandas dos setores. Há ETS que, por exemplo, se preocupam fundamentalmente com a questão dos insumos importados, tarifas alfandegárias, o ambiente regulatório, e há outras ETS que se dedicam à capacitação profissional e à atualização de técnicos. Há uma terceira abordagem, mais tecnológica, como, por exemplo, a do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC), que desenvolveu um laboratório de ponta para análise do pisar para desenvolvimento de calçados.
Como é a atuação da RETS na identificação das demandas tecnológicas setoriais?
Nicolsky: Poucas entidades se dedicam a criar um ambiente de pesquisa e desenvolvimento em seus respectivos setores, e é para isso que a PROTEC e RETS têm se voltado. Em 2008, criamos um curso de capacitação de recursos humanos para desenvolvimento de projetos de inovação tecnológica (PIT), voltado para diversos setores e destinado não só à captação de recursos externos, mas também à organização, nas empresas, das atividades de P&D; realizamos, em 2007, um seminário de recursos para inovação nas empresas e um curso de capacitação em patentes e propriedade industrial. Entramos, em 2009, no terceiro ciclo de projetos, com a continuidade do curso PIT e dos cursos de capacitação em patentes e propriedade industrial – para isso estamos negociando um convênio com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) – e vamos introduzir, na medida do possível, um site para divulgação de todas as informações sobre inovação tecnológica para as ETS, que será hospedado no portal da RETS. Vamos também realizar um estudo sobre os resultados que o edital de Subvenção Econômica da Finep está produzindo nos setores contemplados que fazem parte da Rede: saúde, biotecnologia, eletroeletrônica, energia e tecnologias da informação e comunicação. Futuramente, devemos criar um mecanismo de acompanhamento de patentes, que deve ser organizado de forma coletiva, para todos os setores.
Um dos pontos de atuação da RETS são os cursos de capacitação e os eventos setoriais. Qual é a importância dessas ações para a consolidação das ETS?
Nicolsky: Os eventos são fundamentais para que as ETS se institucionalizem na área de inovação. É preciso que haja um fórum em que as questões da inovação e de pesquisa e desenvolvimento tecnológico possam ser debatidas com os profissionais de cada setor, tanto das empresas quanto dos centros de P&D. Na primeira fase da RETS, realizamos três eventos: os Encontros Nacionais de Inovação em Fármacos e Medicamentos; em Eletroeletrônicos; e em Máquinas e Equipamentos (Enifarmed, Enicee e Enimep, respectivamente). Em 2008, realizamos apenas um encontro setorial, a segunda edição do Enifarmed, porque foi entendido que os outros setores ainda não estavam suficientemente maduros para terem um evento anual, o que nos levou a determinarmos uma freqüência bienal. Por isso, em 2009, devemos ter o segundo Enicee e o segundo Enimep, além do terceiro Enifarmed. Talvez, no futuro, venhamos a fazer encontros de outros setores, mas isso depende da demanda de cada área.
Na primeira fase da Rede, esperávamos alcançar, no final de um ano, uma associação de 12 entidades; no entanto, chegamos a 16 – e em 2008, chegamos ao número atual, 17. No momento, não temos condições de pensar em criar em novas ETS, mas daremos mais substância e conteúdo ligado à pesquisa e desenvolvimento nas entidades existentes, porque, em geral, as ETS estão muito segmentadas nas tecnologias específicas de seus setores, e queremos fazer com que elas tenham um espectro tecnológico mais amplo. Em um futuro mais distante, pretendemos, antes de criar novas ETS, absorver algumas entidades já existentes, incorporá-las à RETS e atendê-las também, e somente em uma etapa posterior vamos pensar em fazer novas ETS. A experiência de desenvolver a rede nos mostrou que criar uma ETS não é trivial, requer dedicação e tempo, porque é preciso passar uma nova cultura, uma nova idéia. Como a rede já cobre os principais setores da economia brasileira, pensamos em fazer novas entidades apenas se surgir uma demanda bem cristalizada de algum outro setor.
Muitas associações têm setores tecnológicos subordinados às organizações. Qual é a diferença entre esses setores tecnológicos e as ETS?
Nicolsky: Em geral, as associações setoriais foram criadas em função de uma agenda representativa de reivindicações e negociações ligadas a aspectos comerciais, tributários, financeiros, produtivos e trabalhistas. Com este tipo de projeto, as demandas tecnológicas ficam em plano muito inferior. Mesmo que seja criado um setor tecnológico dentro das associações, dificilmente ele conseguirá prosperar competindo com essa agenda dominante, que é de sobrevivência. Neste caso, vale a pena institucionalizar um projeto tecnológico através de uma outra entidade. Então, as ETS, em geral, são subprodutos das associações setoriais. Quando o setor já tem uma entidade forte na área de representação e adquire consciência de que é preciso também estar bem articulado no setor tecnológico, a demanda de criar uma ETS fica evidente. Por isso, em um primeiro momento, antes de formarmos a rede, conseguimos criar cinco ETS em setores que tinham esta característica: fármacos e medicamentos, bens de capital, eletroeletrônica (um caso típico de setor muito forte que não tinha ETS, embora tivesse um setor tecnológico dentro da associação setorial), cosméticos e borracha natural. Há muitas entidades de caráter misto, que têm uma parcela de representação setorial, mas que também têm pautas tecnológicas relevantes, como a Abifina, que é do setor de química fina e biotecnologia, e a Abiquim, do setor químico. Elas são entidades que têm um caráter tecnológico, mas também têm uma agenda de representação principalmente ligada a questões do comércio exterior e propriedade industrial. Na medida do possível, a RETS vai buscar diversificar a atuação das ETS, para que elas ofereçam um leque mais amplo de serviços tecnológicos.
O conceito de ETS foi criado pelo MCT para institucionalizar ações setoriais para o aumento da competitividade da indústria nacional. Como é o diálogo entre as entidades e o Governo atualmente?
Nicolsky: O Governo tem interesse e boa vontade para discutir as demandas dos setores, mas por ter ele também seu corpo técnico e as suas diretrizes, acaba priorizando sua própria visão. Isso tem sido, muitas vezes, frutífero; mas, na maioria das vezes, tem sido bastante ineficiente, porque a visão do Governo, mesmo que em um determinado momento seja pertinente, se defasa com o tempo e não absorve novas concepções e demandas. O papel da RETS como articuladora das demandas coletivas, iguais para todos os setores, é importante, mas ela entra apenas como um suporte. Mesmo assim, não tem sido fácil. Ainda não há uma interlocução institucionalizada e fácil com o Governo. Além disso, quando muda o mandato, ainda que o presidente seja o mesmo, muda também a agenda de prioridades. Isso impõe flutuações e dificuldades no diálogo. Atualmente, tivemos uma boa interação – a RETS vem sendo apoiada pelo MCT através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – contudo, a relação ainda não está institucionalizada – ela tem de ser refeita e rediscutida sempre.
Talvez com a setorialização mais efetiva dos órgãos do Governo, esse diálogo se torne mais fácil. O BNDES, por exemplo, tem um projeto específico na área de fármacos e medicamentos. O banco estudou o setor e reconheceu as demandas – coincidentemente no momento em que criamos o IPDFarma -, o que gerou um programa comum, discutido de forma harmônica. Com isso, e por ter mais recursos, o BNDES se institucionalizou como principal agente do Governo para essa área, já que o Ministério da Saúde vem implementando sua política através do BNDES. Esperamos que isto aconteça em outros setores, que eles possam negociar suas demandas com o BNDES, mas ainda não há um entrosamento eficiente, principalmente na área tecnológica. Muitas entidades não têm uma tradição de negociação com o Governo. As ETS mais fortes atuam praticamente sozinhas em seus setores.
Muitas ETS ainda têm um viés bastante reivindicatório e não conseguem separar a agenda de sobrevivência da agenda tecnológica, por isso não conseguem ter um programa especificamente tecnológico. Acredito que a RETS poderá exercer um papel de estimular esse entrosamento das políticas públicas com as demandas setoriais – mas é algo que ainda terá que ser articulado. Em benefício da inovação, o desenvolvimento tecnológico deve ser independente dessa agenda representativa.
Fonte: Protec