Entrevista: Éder de Souza Martins

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Experiente na área de Geociências, com ênfase em Geoquímica e Geomorfologia o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa/Cerrados), Éder de Souza Martins, conversou com o Portal da RedeAPLmineral a respeito do projeto AgriRocha, no qual é um dos líderes, e cujo tema é o estudo de rochas silicáticas como fontes de nutrientes para a agropecuária.

RedeAPLmineral – Quais são os principais benefícios na substituição dos adubos químicos convencionais anteriormente utilizados pelo pó de rocha?

Éder de Souza – Na realidade não é uma substituição de um tipo de adubação por outra. O uso de pó de rochas, especialmente de composição silicática, é uma forma de manejar a fertilidade de solos tropicais. O teor de nutrientes geralmente não é elevado, mas pode suprir parte ou totalmente diversos nutrientes e outros elementos benéficos, dependendo do tipo de solo e do sistema de produção.

Estas rochas moídas também podem atuar como condicionador do solo, especialmente no aumento da capacidade de troca de cátions (CTC) a partir da formação de argilominerais expansíveis. Estes minerais melhoram a capacidade do solo de reter nutrientes e água, além de melhorar a atividade biológica.

O uso do pó de rocha pode diminuir a nossa dependência de fertilizantes importados, especialmente o potássio, além de aumentar a eficiência do uso de outros nutrientes de forma mais equilibrada e sustentável. Outro benefício inerente é o desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva regional.

RedeAPLmineral – Desde 2003 a Embrapa coordena a Rede AgriRocha que avalia o potencial das rochas como nutrientes para agricultura. O Sr. Poderia falar das descobertas e aprendizados desse projeto?

Éder de Souza – A Rede AgriRocha é multi-institucional e multidisciplinar. A principal descoberta foi à constatação que temos rochas silicáticas disponíveis e abundantes no Brasil para uso regional na agricultura. A utilização em elevadas doses (toneladas por hectare) limita a logística do uso na própria região onde ocorrem as rochas de interesse, em raios que podem variar de 150 a 400 km de sua origem, dependendo do tipo de solo e do sistema de produção. Esta lógica é similar a do calcário agrícola, que também apresenta viabilidade econômica na mesma ordem de grandeza de distância.

Outra descoberta fundamental foi a demonstração que os elementos de interesse das rochas estudadas são disponibilizados ao solo e às plantas já no primeiro ano após a aplicação. Ao mesmo tempo, apresenta um elevado efeito residual, sendo necessárias novas aplicações depois de três ou mesmo cinco anos, a depender do solo e do sistema de produção.

Outra constatação também muito importante é que a eficiência do uso destas rochas moídas depende da forma de manejo desenvolvida para os sistemas de produção. O manejo conservativo do solo e da atividade biológica é a base para a eficiência do uso de rochas moídas na agricultura. Estas descobertas indicam que o uso do pó de rocha na agricultura é uma alternativa sustentável de manejo da fertilidade do solo, melhorando a eficiência da utilização dos nutrientes aplicados ao solo.

RedeAPLmineral – Como objeto estudo, qual é o tratamento de pesquisa dado aos minerais na AgriRocha? E quais são os principais assuntos relacionados aos Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral?

Éder de Souza – Inicialmente é procurado nas regiões de estudo atividade mineral que produza rochas moídas sem a interferência de processos químicos. As pedreiras de brita e algumas mineradoras que produzem rejeitos seguros são os primeiros candidatos a serem estudados para fins agrícolas. Desde que não tenha riscos, os rejeitos apresentam características especiai: o custo energético de sua produção foi consumido na produção do minério primário; apresenta um custo ambiental e econômico muito elevado, sendo a sua utilização para fins nobres, que é a agricultura, uma saída sustentável para a atividade mineral, que pode alcançar “rejeito zero” e o desenvolvimento de múltiplos produtos.

O próximo passo é caracterizar a composição dos pós de rochas de várias formas: química, mineralógica e granulométrica. Esta caracterização é fundamental para avaliar o teor total dos elementos maiores e traços e em quais fases minerais estes elementos estão associados. Os elementos traços podem ser benéficos, mas em determinados materiais, podem apresentar teores elevados e tornar-se um risco ambiental ou mesmo à segurança alimentar. Todas as rochas estudadas passam por este crivo inicial e estão em concentrações seguras, conforme a legislação brasileira. Os elementos que constituem nutrientes importantes, como o potássio, cálcio, magnésio, fósforo, silício, entre outros, devem apresentar teores totais razoáveis para que apresentem interesse agronômico. Estes elementos devem estar associados a minerais que podem ser transformados no solo e disponibilizados às plantas na escala de tempo dos sistemas de produção.

Em relação aos Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral, as principais oportunidades são o incentivo no desenvolvimento de uma mineração de produtos regionais e de elevado impacto positivo na economia regional e nacional, com sustentabilidade para as atividades mineral e agrícola. Estes APLs precisam ser desenvolvidos com a união dos interesses da mineração, agricultura, governo e pesquisa. Diversas políticas públicas devem ser desenvolvidas a partir destes APLs para o sucesso e adoção desta nova tecnologia. O governo deve ser o mediador e também o promotor de políticas, como o incentivo fiscal aos mineradores e subsídios de uso para os agricultores. A mineração deve agir no sentido de estudar o potencial das rochas e, comprovada a eficiência e a segurança de uso, registrar novos produtos e disponibilizá-los de forma profissional ao mercado. A agricultura deve entender como o uso destes novos produtos podem melhorar as características do solo e dos sistemas de produção e de forma sustentável e de custo mais baixo. A pesquisa deve ser financiada para o desenvolvimento e difusão do conhecimento a partir da formação de atores em diversos níveis na sociedade e, em especial, naqueles que trabalham diretamente na mineração e agricultura.

RedeAPLmineral – Quanto à difusão do Projeto, existe previsão de que esse trabalho seja expandido com outros setores produtivos, instituições de pesquisa e grupos de trabalho?

Éder de Souza – O processo de pesquisa iniciou apenas com poucos tipos de rochas. Hoje temos estudos sendo desenvolvidos nas regiões sul, sudeste, centro-oeste e norte. Os desafios constantes da Rede referem-se ao investimento dos mineradores, à adoção dos agricultores, à formação de pessoal e o desenvolvimento efetivo dos APLs.

Atualmente é necessária a organização das informações de pesquisa para que o uso destas rochas moídas sejam regulamentadas na forma de normas e conjunto de leis.

Depois deste esforço será possível o envolvimento mais amplo dos diversos setores de interesse.

RedeAPLmineral – Quais as principais dificuldades de implementação desse manejo alternativo?

Éder de Souza – Ainda é fundamental o investimento em pesquisa básica e aplicada. As informações destas pesquisas constituem a base para a regulamentação de novos insumos agrícolas.

Somente após a regulamentação nos diversos órgãos competentes será possível ampliar o uso de rochas moídas.

Outra dificuldade existente é relativa ao paradigma do manejo da fertilidade de solos tropicais a partir do uso de fontes de nutrientes e condicionadores de solo de elevada solubilidade. O uso de rochas silicáticas moídas constitui uma nova forma de realizar o manejo da fertilidade do solo. Neste sentido, a formação deste conceito nas escolas de agronomia e geologia (para colocar apenas as duas principais áreas de conhecimento) e nos cursos de pós-graduação constitui na principal estratégia para a difusão da tecnologia para os técnicos, os agricultores e os mineradores.

RedeAPLmineral – Entre as rochas pesquisadas, quais obtiveram os melhores resultados para esse manejo?

Éder de Souza – Na realidade não é possível colocar uma ordem de valor das rochas moídas no manejo da fertilidade sem considerar outras importantes variáveis, especialmente o tipo de solo, o sistema de produção, e o manejo. Mas podemos citar rochas muito estudadas e com efeitos agronômicos positivos: rochas ricas em biotita ou flogopita, rochas ricas em feldspatóides, rochas ricas em minerais ferromagnesianos.

RedeAPLmineral – Diversos estudos já foram realizados tentando aproveitar potássio de resíduos e rochas, porém a liberação é praticamente nula. Existe alguma associação da pratica de aplicação resíduos (rochagem) com outra técnica, a fim de liberar potássio das estruturas dos feldspatos?

Éder de Souza – Os feldspatos potássicos geralmente apresentam baixa solubilidade. As alternativas de rotas tecnológicas testadas são as seguintes:

– Ultramoagem (<200 mesh) – A cominuição dos grãos é uma forma de aumentar a solubilidade devido à formação de fases amorfas e pelo aumento da superfície específica;

– Processos térmicos (>1000oC) – A elevação da temperatura e misturas com outras rochas (carbonato, p.ex.) pode aumentar consideravelmente a solubilidade pela formação de silicatos de potássio mais solúveis. Os processos térmicos podem ser a seco ou por alteração hidrotermal;

– Processos biológicos (biossolubilização) – A biossolubilização pode ser realizada via compostagem com misturas de rochas e resíduos orgânicos, ou mesmo a partir da ação de microrganismos em solução nutritiva (biorreatores).

Todos estes processos estão sendo investigados em condições de pesquisa básica e/ou industrial. A maior limitação está na viabilidade econômica dos processos, uma vez que geralmente aumentam consideravelmente a liberação do potássio.

RedeAPLmineral – Publicações como Anais do I Congresso Brasileiro de Rochagem, lançado em 2010, ampliam o trabalho de divulgação dos resultados do grupo de trabalho que atuam na construção de uma metodologia de consenso para viabilizar o uso e comercialização de pó de rocha no Brasil. Diga os principais ganhos com esse tipo de publicação?

Éder de Souza – Cada vez mais precisamos da divulgação das pesquisas que estão sendo desenvolvidas nas instituições de pesquisa, ensino e extensão. O Brasil, junto com outros países do mundo tropical, talvez tenha o maior número de pesquisadores dedicados ao tema.

Os principais ganhos deste tipo de publicação são a divulgação do tema para os pesquisadores e os interessados. Notamos que a demanda pela procura da publicação dos Anais foi muito diversificada e não foi restrita apenas aos especialistas e os diretamente interessados, como os mineradores e agricultores, mas também do público que gostaria de um manejo mais sustentável para a agricultura.

Fonte: Comunicação RedeAPLmineral

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