O Estado do Pará cresceu com a exploração de seus recursos minerais. Sua história possui altos e baixos, como a variação dos preços dos produtos que mantêm sua economia. As grandes obras, como a Ferrovia de Carajás, foram construídas para impulsionar o mercado e levar os produtos para outras regiões e ajudaram o boom de Parauapebas, que se consolidou como o maior município minerador de ferro do mundo.
Com a disponibilidade de terras ofertada pelo governo e a riqueza do solo chegaram empresas estrangeiras ao local, criando mais oportunidades de negócios e ampliando a renda por meio da exportação de produtos. Como é de costume, esses benefícios somente não chegaram para as classes trabalhadoras que assistiam ao avanço do lucro das empresas ao mesmo tempo em que seus direitos e vantagens trabalhistas iam se perdendo.
Segundo narra Manuel Paiva, as empresas quando percebiam que seus trabalhadores iriam apresentar algum problema de saúde chegavam a oferecer dinheiro para que estes pedissem demissão. Ele afirma também que eram dadas “oportunidades” para estas pessoas, como por exemplo, a recomendação de que comprassem carrinhos de cachorros-quentes ou abrissem um lava-jato.
Essas e muitas outras histórias são contadas no livro Alumínio na Amazônia: saúde do trabalhador, meio ambiente e movimentos sociais, organizado pela rede Fórum Carajás. O livro foi lançado em Belém no dia 24 de agosto, na sede Unipop, quando acontecia a reunião do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR). O próximo lançamento será realizado no dia 24 deste mês, na Vila dos Cabanos, em Barcarena (PA).
Paiva é engenheiro ambiental, ex-presidente do Sindicato dos Químicos de Barcarena e trabalha da Alunorte há 14 anos. Ele também participou da elaboração do livro, recuperando a história e a trajetória dos Químicos de Barcarena. O livro pretende ser mais do que um simples registro, pretende se tornar uma ferramenta para a garantia dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do setor.
Amazônia.org.br – Porque fazer um livro que fala sobre a mineração na Amazônia, mais especificamente no estado do Pará?
Manuel Paiva – Barcarena fica em linha reta, há 40 km de Belém, e hoje é um pólo industrial. Tem produção de alumina e alumínio e população em torno de 20 mil habitantes. Em 1985 começou a produção do alumínio, que na verdade era pra ser primeiro alumina, mas por questões de mercado e de preço que não se apontaram viáveis, ficaram 10 anos com a fabrica parada e comprando alumina do Suriname, para produzir o alumínio. Depois de dez anos, em 1995, partiu a Alunorte já produzindo a alumina, daí fechou o ciclo da cadeia produtiva no Pará, com a extração da bauxita lá em Trombetas e fechando o ciclo aqui em Barcarena com a exportação do alumínio.
A situação econômica de Barcarena, que se dava em decorrência da agricultura, da pesca e da coleta de frutos a partir da década de 1980, de 85 pra frente muda com a produção do alumínio, que trouxe muita gente de fora. Vieram com a expectativa do projeto [das empresas mineradoras] e Barcarena passou a ter uma expansão demográfica muito grande e sem controle, em decorrência da expectativa de empregos que o projeto gerava. Para atender as pessoas a fábrica fez um conjunto muito acanhado, com poucas casas, que nem no inicio era suficiente para acomodar todos os seus funcionários. Dessa forma, os funcionários que saíram da construção, quando a construção acabou para começar a operacionalizar, acabaram ficando e ocupando alguns terrenos, alguns aqui, outros ali, e houve ocupações em torno da Vila dos Cabanos, que é o núcleo fabricado pela companhia Vale do Rio Doce, que até então era estatal.
A partir de 97, com a privatização da Vale do Rio Doce, acontece uma mudança na estrutura da empresa. Não houve mais construção de casa e, antes pra vir pra cá tivemos algumas ofertas, como por exemplo: colégio grátis, transporte pra levar e trazer os filhos para o colégio, passagem de ônibus, de barco, assistência médica, inclusive nossos pais tinham direitos no plano de saúde, e muitas outras coisas que ao longo do tempo fomos perdendo. Mesmo com a empresa crescendo, se desenvolvendo e expandido, começaram a cortar esses benefícios, e outros eles passaram a “dividir” com os trabalhadores. Passaram a ter uma “participação” que não tinham antes, por exemplo, pagar vinte, trinta reais para colocar o filho nos colégios, tiraram os ônibus escolares, não tem mais passagem de ônibus ou de barco. Tudo é por nossa conta. Hoje pagamos aluguel, água, luz… Então, houve primeiramente uma oferta pra que você pudesse vir pra cá, porque você estava deslocado dos grandes centros. Se não tivessem essas ofertas as pessoas não teriam vindo por causa do projeto, e vieram de longe: São Paulo, Minas e Rio.
Se você for analisar, hoje a situação está próxima do que significa os trabalhos que são caracterizados de escravo nas fazendas. A pessoa vai pra lá e fica em um clico vicioso, fica devendo para o padrão e tudo o que ela ganha é para o patrão. O que aconteceu é isso. Hoje a gente paga o aluguel pra empresa, paga uma parte na assistência médica, paga uma parte no colégio. É tudo entorno da própria empresa.
Amazônia.org.br – E este é o cenário que se encontra atualmente nas fábricas de alumina e alumínio no Pará?
Paiva – O cenário atual não é muito agradável, porque as empresas não se preocupam com a manutenção dos empregos, mas também tem a questão do governo que nunca discutiu a verticalização. Hoje com essa crise que se instalou, estão ocorrendo muitas demissões e o que nos entristece é que parece que quem vai resolver o problema da crise são os trabalhadores demitidos. E não é isso.
O que era para ter sido feito há muitos anos era a verticalização. Em 2004 nós fizemos uma pesquisa pelo sindicato e conseguimos identificar que enquanto a empresa primária empregava 1.300 trabalhadores, a montagem no Japão com o mesmo alumínio que ia daqui pra lá, empregava 12 mil. Uma diferença muito grande. Os empregos que deveriam ser criados aqui no nosso país, no nosso estado, acabam sendo criados lá fora. Por quê? Porque não há uma discussão da verticalização da produção, seja do alumínio, do cobre, do aço, do líquido e de qualquer tipo de produção primária.
Nós estamos fazendo essa discussão pela CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), em nível de Brasília e estamos fazendo em nível de estado. A governadora começa a ensaiar essa discussão, mas no livro a gente já fala sobre isso. Temos aqui no Pará o cobre, o nitro, o aço, o manganês, temos a bauxita, temos o alumina, temos o caulim… Imagina todas essas produções primárias sendo industrializadas, gerariam muitos empregos. A grande discussão hoje para essa crise seria isso, a verticalização. Não permitir somente que nosso produto seja exportado de forma primária. Esse seria o grande desafio para nós podermos gerar emprego para esses milhões de pais de famílias desempregados.
Amazônia.org.br – E você acha que essa verticalização tem chances de acontecer?
Paiva – Tem, mas tem que ser feita uma discussão muito técnica. Porque quando estivemos em 2005 na Alemanha participando do seminário do alumínio, vimos como é que esses compradores do alumina primário se comportam diante dessa discussão. É como se eles fossem mantenedores das fábricas daqui e nós não tivéssemos condições de tocar sem essa participação, e não é verdade.
Temos condições de fazer a exportação. Por exemplo, nós temos aqui em Barcarena só uma vertical, que é a Alubar, ela faz aqueles cabos de alta tensão de alumínio. Como nós temos uma facilidade pelo fato do alumínio ser produzido aqui, tem um ganho muito grande, quando for fazer uma relação custo benefício te favorece, porque pega esse alumínio em líquido, quando você manda barra, você vai ter que ter formes para, de novo, dissolver esse alumínio, transformar ele em líquido pra poder trabalhar. E aqui não haveria necessidade, porque você transporta em líquido.
O que tem que haver é a contrapartida do município em relação a terras. E alguns subsídios e alguns impostos, mas em contrapartida você está gerando emprego e automaticamente você está gerando impostos. Você não gera impostos diretos, mas você gera impostos com o dinheiro que vai girar dos trabalhadores dentro do próprio município.
Barcarena não ganha royalties, porque pela lei do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) só ganha royalties quem explora, quem industrializa não ganha e Barcarena industrializa a bauxita, industrializa o caulin, industrializa o manganês, mas não ganha royalties, porque não explora. Então nós estamos só enterrando os dejetos e isso está gerando um passivo que não teremos fundo de reservas para trabalhar no futuro. Nenhum fundo, nós não temos nenhuma pesquisa, nenhum dinheiro destinado para a pesquisa para o futuro. Só pra você ter uma idéia, em 2009 nós vamos enterrar mais de 10 milhões de toneladas de rejeitos no sul de Barcarena.
Amazônia.org.br – Também existem os problemas de saúde dos trabalhadores das indústria de minério…
Paiva – O sindicato dos metalúrgicos aqui de Barcarena, que agora foi municipalizado, foi criado 10 anos antes do nosso, então como nós criamos o sindicato dos químicos, muitos trabalhadores ligados a esse sindicato, pelo fato de não fazerem uma discussão sobre a saúde do trabalhador, acabaram nos procurando e começamos a mapear esses trabalhadores, começamos a fazer um banco de dados, e quando chegaram para fazer a pesquisa da Fiocruz foi nesse banco de dados que eles conseguiram as informações.
Fizeram o mapeamento, levantamento, entrevistas e conversas. E começaram a atualizar laudos, principalmente dos trabalhadores que já tinham saído adoecidos pra saber como se encontrava a saúde daquele trabalhador. Dentro do trabalho deles, da Fiocruz através do trabalho do Dr. Hermano Albuquerque de Castro, foi que eles realizaram o diagnóstico da saúde dos trabalhadores, que se encontra disponível no livro.
Amazônia.org.br – E quais são os principais problemas de saúde que os trabalhadores sofrem ao trabalhar com mineração? Quais as principais doenças que surgem?
Paiva – Geralmente é problema de coluna, articulações, tendinite, bursite, uma série…
Amazônia.org.br – O senhor falou que muitos trabalhadores estão sendo demitidos e que está acontecendo uma perda gradual dos seus direitos trabalhista, então esses trabalhadores recebem algum apoio da empresa quando são mandados embora?
Paiva – Não. Logo nas primeiras demissões, o que houve na verdade foram ofertas para que os trabalhadores pudessem deixar a empresa. Existe, é normal? É. E até legal. O PDV, Plano de Demissão Voluntária. Os primeiros trabalhadores que foram demitidos foram na verdade um “Plano de Demissão Indicado”. Até uma lista que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) condenou, das empresas que já mapeavam os trabalhadores, pegavam o periódico do trabalhador, viam que ele ia apresentar um problema daqui a dois ou três anos e oferecia um valor para que ele pudesse sair da empresa.
Isso aconteceu aqui logo no começo. Detectamos que havia algo com aqueles trabalhadores que estavam pedindo para deixar a empresa. Porque não era assim… Se eu quisesse sair, chegasse lá e me habilitasse a sair, não, eram só aquelas pessoas que estavam na lista para poderem sair. Eles diziam o seguinte: ‘Olha você tem 10 mil, (chegou até a 35 mil) pra você deixar a empresa e você tem 15 dias para decidir. Se você não deixar a empresa nesses 15 dias, você vai sair sem levar esse dinheiro’. E ainda davam uma alternativa: ‘você pode colocar um carro de cachorro quente’, ‘você pode ir comprar um taxi’, ‘você pode comprar um lava jato’. O que se detectou depois em uma pesquisa é que a grande maioria desses trabalhadores não tinha condições nenhuma de ter mais uma atividade normal, eles estavam prejudicados, ou por coluna, ou por articulações ou por alguma outra doença.
Amazônia.org.br – Pensando nas dificuldades que essas empresas tem para respeitar os direitos trabalhistas e também nos passivos ambientais que são gerados, existem alguma possibilidade de se produzir minério na Amazônia de forma sustentável?
Paiva – Existe sim. O que aconteceu na Amazônia na verdade, na década de 1980, 1970 e ainda dentro do regime militar é que foram abertas de qualquer forma, e as empresas que tinham um programa com relação, as empresas de transformação que tinham muito consumo de energia, que tinham um problema de energia elétrica no Japão, na Europa, o que elas fazem, como elas viram a facilidade que tem aqui… mão de obra barata, não pagam água, energia subsidiada, a custos praticamente zero. O que elas fizeram? Elas começaram a fechar essas empresas, chamadas de Mecanismos de Desenvolvimento Sujo, MDS, e ficaram somente com as de transformação que era somente de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo.
Não teve nenhuma forma de preocupação com a saúde do trabalhador, com o meio ambiente.O que precisa hoje é mudar esse modelo, é não aceitar esse modelo. Hoje para uma empresa se instalar lá na Amazônia primeiro precisa discutir o que vai fazer com o rejeito, porque não existe produção que não gera rejeito.
Então a primeira coisa que nós temos que fazer é pensar o que vamos fazer com esse rejeito, que tipo de rejeito nós estamos gerando, qual o tipo de agente que ele tem agressivo ao meio ambiente, agressivo a camada de ozônio, que possa contribuir com o aquecimento global… e isso que nós temos que fazer, porque não podemos aproveitar que a Amazônia tem todo esse espaço aqui, e deixar que as empresas simplesmente se instalem aqui e saiam cavando buracos. Nós temos aqui hoje, só pra você ter uma idéia, de bacia deles, você imagina de uns 5 a 10 maracanãs como bacia de rejeitos. Sem a gente saber que tipo de rejeito tem ali, que tipo de elementos químicos.
Você sabe que um elemento químico em contato com outro gera um terceiro elemento. O que isso está gerando? Eu não sei. Se você perguntar hoje quais os tipos de elementos químicos que a gente tem em cada região das empresas aqui em Barcarena, ou em qualquer lugar que você for na Amazônia, você não vai saber. Nem os próprios órgãos de fiscalização, os órgãos de licenciamento não são aparelhados o suficiente para fazer esse tipo de análise.
Amazônia.org.br – Uma última pergunta sobre a hidrelétrica de Belo Monte, já que ela está prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal. Alguns movimentos sociais dizem que o intuito desse projeto é atender as demandas das empresas mineradoras….
Paiva – Isso! Principalmente produtoras de alumínio e alumina.
Amazônia.org.br – O senhor concorda com esta visão? Como esta este debate dentro dos movimentos?
Paiva – Eu acho que o que está ficando para a Amazônia, para o estado do Pará e para o Brasil é muito pouco. Nós temos Tucuruí aqui gerando energia e mandando pro Maranhão, para produzir alumínio lá na Alumar do Maranhão a preço praticamente zero. E nós pagamos a conta. Nós paraenses pagamos a segunda maior taxa de energia do Brasil. Um absurdo. Enquanto muita gente no bairro do linhão não tem energia.
Esse projeto vem na verdade para atender ao capital internacional. Essa briga que está por Belo Monte é pra justificar a Alcoa lá em Juruti. Porque a Alcoa está só exportando, mas a partir do momento que tiver Belo Monte concretizada eles vão produzir alumínio e alumina lá em Juruti. A gente não viu nenhum resultado positivo para nós, até porque o número de empregos, como eu te falei anda a pouco, é muito reduzido, o que gera emprego é a industrialização e não a produção primária.
Pela beleza e importância que o rio Xingu tem para as comunidades indígenas, e para as comunidades ribeirinhas e para o município de Altamira, eu que particularmente tive a oportunidade de andar o rio Xingu todo, de ponta a ponta, não é viável uma usina hidrelétrica no rio Xingu.
Fonte: www.riosvivos.org.br