Entrevista: José Ferreira Leal

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No setor mineral há mais de quarenta anos, o geológo e professor José Ferreira Leal, conversa com o portal da RedeAPLmineral sobre esse mercado no Brasil e os desafios de se implementar um Arranjo Produtivo Local de Base Mineral no país.

RedeAPLmineral: Como as pequenas empresas podem aproveitar este bom momento do setor mineral?

José Ferreira Leal:
 No setor mineral você tem duas áreas muito distintas: as pequenas empresas e seus agrupamentos; e as grandes corporações ou investidores capitalizados. A indústria da mineração se caracteriza pela consolidação de uma indústria de investimentos de médio e longo prazo. Então a capitalização intensiva dessas empresas é necessária. No entanto, no Brasil, como existe o potencial de áreas que nunca foram trabalhadas você tem a possibilidade do pequeno investidor encontrar riquezas que não precisam desse capital massivo. Então há muitas oportunidades com minerais de alto valor em que o pequeno investidor pode ter sucesso como: ouro, diamantes, cassiterita, pedras coradas e outros. 

RedeAPLmineral: O arranjo produtivo é o melhor caminho para esses pequenos produtores?

José Ferreira Leal:
 Quando falamos em arranjos produtivos locais falamos de promoção de políticas públicas junto a pequenas empresas de mineração agrupadas geograficamente. Se o governo federal fosse atender a essas empresas, individualmente, num país do tamanho do Brasil, ele não conseguiria terminar a missão. Quando se tem um distrito mineiro ou uma concentração de produção mineral com vários atores de pequeno porte e da mesma cadeia produtiva, se tem o local prioritário para os investimentos das políticas públicas, pois se estará atendendo a um maior número de pequenos empresários, simultaneamente. 

RedeAPLmineral: O que destaca o RS nesse setor de gemas e jóias?

José Ferreira Leal:
 O Brasil é onde se localiza as maiores jazidas mundiais de ametista e ágata, encontradas em grandes concentrações nos derrames basálticos da Bacia do Paraná, onde a produção garimpeira tem se intensificado nos últimos 30 anos. E é por essa produção que o país consegue influenciar a cotação internacional não só da ametista como do citrino e da ágata. O governo brasileiro prestou atenção a esse mercado e percebeu que depois de Minas Gerais o Rio Grande do Sul é a segunda província mineral de maior expressão em produção de pedras preciosas do Brasil. E para racionalizar essa produção de pedras coradas o governo achou por bem criar e desenvolver o arranjo produtivo de gemas e jóias do RS.

RedeAPLmineral: Como esse processo de desenvolvimento do arranjo produtivo de gemas e jóias começou no RS?

José Ferreira Leal:
 O projeto começou, efetivamente, em março de 2005 com o intuito principal de tentar agregar valor e emprego ao produto final exportado em bruto. A opção pelo sistema de arranjo é pelo fato de ele conseguir agregar mais instituições parceiras, mais mão-de-obra e mais distribuição de renda na região, dando uma dimensão nova a cadeia produtiva. E é a lapidação o principal instrumento para agregar valor e emprego ao processo. Há vários tipos de lapidação: a facetada, cabuchão, exóticas, do milênio; e através da criação de grupos de melhorias de tecnologia, gestão, mercado, crédito, e meio ambiente estamos aproximando os trabalhadores da mina bruta e os beneficiadores que já existem na região. Esses grupos discutem em parceria as suas dificuldades, e fazem um diagnóstico de todos os seus obstáculos, sempre procurando ultrapassar os problemas criando um ambiente de troca de conhecimentos num processo continuado de aprendizagem coletiva. 

RedeAPLmineral: Qual o tamanho desse mercado de gemas e jóias no Brasil?

José Ferreira Leal:
 Em 2006/07 o RS exportou, oficialmente, cerca de US$60 milhões em pedras brutas e em estado lapidado. Essa produção foi, especialmente, para a China – que tornou-se o maior comprador nos últimos anos- e também para os EUA, Itália, Japão e Alemanha, mercados tradicionais das pedras brasileiras. O que vem acontecendo, recentemente, é a expansão do mercado de gemas e pedras, que anteriormente eram rejeitadas e que hoje são beneficiadas, aproveitando-as para a confecção de bijuterias e artesanato mineral. Essas pedras iam, tradicionalmente, para o mercado decorativo:  interiores de casas e edifícios – que absorvia a ametista brasileira. As frentes de lavra do RS estão produzindo em média 350 toneladas/mês. Desses, somente 3% ou cerca de 12 toneladas é revertido para a indústria joalheira. São dois setores muito distintos com mercados absolutamente diferenciados.  Cerca de 95% da ágata é exportada como material decorativo e artesanato, e uma certa quantidade como pedras para colares, brincos anéis etc. 

RedeAPLmineral: Quem participa desse arranjo produtivo. De quem estamos falando ?

José Ferreira Leal: 
Falamos de toda a cadeia produtiva: desde a pesquisa geológica para determinar a origem, a genética das peças – feita por consultores, Universidade Federal do RS e da Universidade do Vale Taquari (Univates); passando pela lavra; e também o beneficiamento com a lapidação das pedras, além de serviços agregados e do setor joalheiro. A preocupação do governo é agregar valor a essa matéria prima que, antes, era exportada em grande volume na forma bruta, e gerar emprego. A nossa preocupação é tornar esse garimpo, diante das exigências ambientais e do código de mineração, compatível com os aspectos de segurança e saúde. 

RedeAPLmineral: Em que o projeto de apoio ao desenvolvimento em rede do arranjo produtivo mais ajudou os produtores?

José Ferreira Leal: 
O grande avanço do projeto nesses anos foi o de fazer a pesquisa geológica de forma a demonstrar a vida útil dessas jazidas. E nós sabemos, hoje, que elas têm, no mínimo, 100 anos de vida útil, dentro do nível de produção atual, ou seja, 4 a 5 mil toneladas/ano. Isso demonstrou ao governo que durante esse tempo o retorno será garantido, e, ao mesmo tempo, subsidiou a criação de um centro de tecnologia para o beneficiamento das pedras preciosas no RS. 

RedeAPLmineral: Os ganhos foram só econômicos?

José Ferreira Leal:
 Me mudei para o RS há quatro anos e nesse tempo posso dizer, com toda a tranqüilidade, que talvez a maior mudança que tenha sido de cunho cultural com desdobramentos na saúde. Quando chegamos ao estado havia mais de 500 casos da doença chamada “silicose” -provocada pela inalação de pó dentro das galerias de minas-, nós temos hoje mais de 70 casos de pessoas que estão na fila para transplante de pulmão, e centenas de casos dramáticos. Esse é um problema que se arrastava há mais de 30 anos desde o começo da exploração das lavras subterrâneas. Foi com muita dificuldade, com muita demonstração, que conseguimos as mudanças na cultura da extração, que antes se fazia a seco para a extração úmida – que diminui em até 95% a poeira dentro das galerias. Parece uma coisa óbvia, que deveria ter sido feito há muito tempo, mas só foi nos dois primeiros anos do projeto que conseguimos demonstrar a economicidade do processo, as vantagens de segurança da operação, e as condições financeiras para que eles fizessem essa transformação tecnológica oferecida pela cooperativa de crédito no RS. E mesmo assim, por razões de tradição foi difícil convencer os produtores a mudar seus hábitos. Só conseguimos mudar a consciência quando começamos a dialogar com os filhos e esposas dos produtores para conseguir convencê-los da necessidade de mudar o processo de extração. Essa mudança cultural se efetivou e, hoje, cerca de 70% dos garimpos não atuam mais com o sistema de lavra a seco dos “marteleiros”.

RedeAPLmineral: Quantos empregos diretos são gerados e quantos municípios estão envolvidos esse Arranjo Produtivo?

José Ferreira Leal:
 Temos três áreas de cooperativas no estado, que incluem cerca de 600 pessoas trabalhando com o beneficiamento do produto: lapidação, artesanato, bijuterias; há, ainda, mais 3 mil operários que trabalham diretamente nas lavras. O APL cresceu tanto que ficou regional, trabalhamos no norte do estado na região de Ametista do Sul com 8 municípios; trabalhamos no centro do estado na região de São Martinho da Serra em 9 municípios; e na fronteira do Uruguai em 3 municípios. Nas três regiões existem as diversas etapas da produção desde a extração até a produção final e venda; o trabalho é feito em parceria com 4 ministérios: MDIC, MME, MCT e o Ministério da Integração Nacional; que são fundamentais para o sucesso do programa, e agora o Ministério do Turismo entrou como parceiro, já que as lavras e arredores viraram pontos turísticos na região com a curiosidade das pessoas em conhecer o processo de fabricação das gemas e jóias. 

RedeAPLmineral: Hoje, o que falta para um crescimento ainda maior no setor?

José Ferreira Leal: 
Sem dúvida nenhuma é a governança, nos vários níveis: desde o local, na ponta, até o federal. Só pode haver um bom projeto se tivermos a governança, ela começa na parceria entre as instituições públicas federais. Se eles não se entenderem, não falarem a mesma língua a parceria local é inviabilizada. E se não houver parceria não há o arranjo local produtivo. A cultura da governança é nova no Brasil. O trato do processo de desenvolvimento de arranjos produtivos no país não é uma coisa que vem da tradição; o arranjo produtivo começou a ter destaque com o processo recente de globalização e esse processo exige novas formas de inserção de políticas públicas dentro dos arranjos produtivos. Essas novas políticas não são ainda de aplicação generalizada nos órgãos públicos federais nem estaduais. Esse é o maior problema atual dos arranjos produtivos. Enquanto não tiver um maior entrosamento desses parceiros é inviável esperar do campo melhores resultados.

Por Claudio Almeida

Jornalista da RedeAPLmineral

Fonte: RedeAPLmineral

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