O novo Mapa da Vale

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Quem se debruça sobre os números do balanço da Vale e o desempenho de suas ações nas bolsas de valores de São Paulo e de Nova York tem a impressão de se tratar de duas empresas distintas. É que, pelo lado contábil, a mineradora segue exibindo números robustos. Desde 2006, sua receita operacional líquida avançou 130%, para R$ 103 bilhões. Somente no acumulado janeiro-junho de 2012, as vendas somaram R$ 43 bilhões. Por outro lado, a cotação de suas ações, que na década passada fizeram a alegria de investidores, não para de cair. De janeiro de 2011 até o primeiro pregão deste mês, os papéis recuaram 21,76%, na Bovespa, e 37,7% na bolsa americana, onde são negociados seus ADRs.

Eldorado: graças ao complexo Carajás, no Pará, a Vale se tornou a maior potência
do mundo em minério.

Essa, digamos, má vontade do mercado em relação à companhia ficou mais evidente há duas semanas, quando foi divulgado o balanço do segundo trimestre. Nem o crescimento da receita operacional, que subiu 14,9% para R$ 23,9 bilhões em relação ao primeiro trimestre de 2011, nem o embarque recorde de pelotas foram suficientes para melhorar o humor de analistas e investidores. Resultado, um dia após a apresentação dos números as ações da empresa chegaram a recuar 3,4% na Bovespa, para tristeza de seus cerca de quatro milhões de shareholders. Mais: o JP Morgan rebaixou de US$ 29 para US$ 24,50 o preço-alvo dos ADRs. Um cenário que, na visão de Murilo Ferreira, 58 anos, presidente da Vale, não condiz com a solidez da empresa.

Apesar disso, ele evita entrar em polêmica. “O mercado trabalha em cima de suas próprias expectativas”, disse à DINHEIRO. “Quando os números se situam abaixo do que os analistas esperam, os papéis são penalizados” (leia mais ao final da reportagem). O executivo está confiante na reversão desse quadro no médio prazo. Para isso, desde que assumiu o posto, em maio de 2011, em substituição ao executivo Roger Agnelli, vem implementando mudanças importantes. Com uma sólida formação em administração e finanças, que inclui uma pós-graduação na IMD Business School, de Lausanne, Ferreira tratou de alterar o foco estratégico da mineradora. “A empresa estava envolvida em muitos negócios paralelos”, afirma.

“Agora, vamos concentrar os esforços em minério de ferro, níquel, cobre, carvão metalúrgico e fertilizantes.” Mas suas maiores apostas estão no minério, o carro-chefe da Vale e com o qual se transformou em uma gigante global. Nesses 18 meses, a despeito das dificuldades, Ferreira coleciona algumas vitórias. A agência de classificação de riscos Standard & Poor’s (S&P), dos Estados Unidos, elevou a nota da empresa para A-, a segunda melhor de uma empresa brasileira, perdendo apenas para Ambev (A), e acima do rating soberano do Brasil (BBB). “Desde 2006 o rating da mineradora subiu dois degraus”, diz Rafaela Vitória, analista de mineração da S&P. Outra foi a aprovação, no começo de junho, da licença ambiental para a exploração de Serra Sul, em Carajás, no Pará.

O empreendimento vai exigir investimentos de R$ 40 bilhões, até 2016, reforçando o principal diferencial competitivo da Vale que é o baixo custo de produção de minério, estimado em US$ 25 por tonelada. Com isso, ele desatou o nó em uma de suas áreas mais sensíveis. Levantamentos feitos pelo mercado indicam que, em 2011, havia cerca de 50 projetos da Vale parados nos órgãos ambientais. “Há dez anos que não conseguíamos novas autorizações para atuar na região”, afirma. A entrada de Serra Sul em operação deverá mudar o status da empresa de a maior produtora de ferro do mundo e a segunda de minérios em geral, atrás da australiana Rio Tinto. “Temos motivos para sermos otimistas em relação ao futuro da Vale”, afirma o analista Johnathan Brandt, especialista em mineração da corretora HSBC, baseado em Nova York.

“O aumento da produção deve melhorar ainda mais a competitividade da companhia.” Até o fim de 2017, a nova mina vai adicionar 90 milhões de toneladas de minério, por ano, aos 109,8 milhões de toneladas extraídos hoje do complexo Carajás. Dono de um jeito expansivo e de perfil conciliador, esse mineiro nascido em Uberaba, casado e pai de uma jovem de 21 anos, é afável no trato com os subordinados. Faz questão de cumprimentar todos que encontra desde o instante em que estaciona o carro na garagem do edifício-sede da mineradora, no centro do Rio de Janeiro. No dia seguinte aos jogos do Fluminense, seu time de coração, comenta sobre o placar da rodada, especialmente quando consegue bater o arquirrival Flamengo, feito que não tem sido difícil de acontecer.

Também gosta de visitar os clientes e as subsidiárias da com panhia, para trocar ideias com os funcionários. “Hoje, a tensão entre trabalhadores e a empresa é menor”, diz Carlos Roberto de Assis Ferreira, vice-presidente do Sindicato Metabase de Itabira, em Minas Gerais. Um estilo exatamente oposto ao de seu antecessor, Roger Agnelli – responsável por transformar a mineradora em uma máquina de fazer dinheiro, conhecido por sua postura imperial e autossuficiente. Ferreira evita comparações e nem sequer cita o nome de Agnelli em suas conversas. Ele também é o tipo de gestor que valoriza o trabalho em equipe. No caso da divisão de meio ambiente, sua primeira providência foi fortalecer a área, trocando as consultorias externas por técnicos da própria Vale.

Os projetos passaram a ser priorizados a partir da decisão de um comitê. As equipes responsáveis pelos investimentos em cada área passaram a se reunir semanalmente para definir as estratégias diante dos órgãos ambientais. Os desafios vividos pela empresa vêm sendo contornados por Ferreira mineiramente, sem muito alarde. A lista inclui a negociação do valor dos royalties devidos a Estados e ao governo federal, o caso dos supernavios, uma manada de elefantes brancos herdada da gestão anterior, e a parceria na implantação de siderúrgicas no Brasil. No primeiro caso ele confia em um acerto para breve. Quanto aos navios, a decisão é vender as 35 embarcações e quem arrematar o lote terá de se comprometer em assinar um contrato de longo prazo com a mineradora.

Os navios já consumiram US$ 1,6 bilhão e sua estreia foi cercada de polêmica porque o governo chinês, de longe o cliente número 1 da Vale, proibiu que atracassem em seus portos. O projeto é considerado um dos desacertos da era Agnelli. Ele foi procurado pela DINHEIRO para falar sobre o tema, mas sua assessoria explicou que ele não iria comentar, pois estava em viagem ao Exterior. Pessoas próximas ao ex-presidente argumentam que ele não se importa com as críticas. “Temos fatos e dados para comprovar que todas as medidas tomadas foram benéficas para a Vale”, disse um de seus interlocutores constantes. Em julho, Agnelli anunciou a criação da AGN, empresa em sociedade com o BTG Pactual, que nasceu com capital de US$ 500 milhões para investir em diversas áreas, inclusive mineração.

Peso-pesado: os supernavios se tornaram uma fonte de problemas para a Vale
e acabaram sendo postos à venda.

Ao privilegiar o Brasil com destino para seus investimentos, Ferreira espera também reduzir o peso que os clientes internacionais têm em sua carteira. Do total da venda de minério, a China fica com a maior fatia individual, 31,6%, seguida da Europa e do Brasil, com 19% cada. Nesse contexto é que Ferreira defende a continuidade dos investimentos feitos na instalação de siderúrgicas no Brasil, sozinha ou em parceria com estrangeiros. O objetivo é recuperar o espaço no mercado interno, onde já dominou 70% do suprimento e deve recuar para 29%, em 2014, em decorrência da decisão das siderúrgicas locais de também investir em mineração.

No total , esses projetos devem representar desembolso de até R$ 20 bilhões, e marcar a chegada das gigantes coreanas Posco e Dongkuk ao Brasil. Com isso, Ferreira espera reverter os problemas gerados pela Compa­nhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) controlada pela alemã ThyssenKrupp e da qual detém 26,8%. A obra consumiu US$ 8,6 bilhões, quase o dobro do estimado, e hoje os alemães querem se livrar do negócio. A chinesa Baosteel também deu para trás no projeto de instalar a siderúrgica de UBU, no Espírito Santo. “O mercado local é importante para a Vale e pretendemos voltar a ser um fornecedor de destaque nessa área”, diz Ferreira.

“A Vale estava com muitos negócios paralelos, e isso não é bom”

Apesar de o mercado e os investidores seguirem com um pé atrás em relação à Vale, o presidente da mineradora, Murilo Ferreira, se diz confiante. Segundo ele, a empresa está se preparando para um novo ciclo de grande crescimento. Acompanhe os principais trechos da entrevista à DINHEIRO:
 
A Vale vem apanhando bastante do mercado. Os analistas estão sendo muito rigorosos com a empresa?

Não creio. Acho que o mercado sempre faz sua avaliação com base em expectativas. Eles partiram de premissas muito favoráveis e os números do segundo trimestre foram abaixo do esperado, devido à queda no preço médio de venda do minério de ferro e dos efeitos da variação cambial sobre o balanço.

O sr. ficou incomodado pela Vale ter perdido para a Ambev a posição de a empresa mais valiosa da bolsa?

Na verdade não. Em qualquer análise é preciso levar em conta o setor no qual a Vale atua e que foi um dos mais afetados pelo agravamento da crise econômica europeia, a partir de janeiro de 2011. Apesar disso, fechamos o ano passado com um lucro operacional recorde de US$ 30,1 bilhões. No acumulado de 2012, já superamos a marca de US$ 20 bilhões, um dos três melhores desempenhos da história da companhia. Perdemos a posição para uma empresa bem administrada e que tem seus méritos. Trata-se, porém, de uma fotografia de momento e não de uma tendência.

A falta de licenciamento ambiental estava emperrando cerca de 50 projetos da empresa. O que foi feito para equacionar essa situação?

Fizemos algumas mudanças importantes, que valorizaram a equipe interna. Antes, boa parte desse serviço era feita por consultorias. A questão ambiental chegou a colocar em risco até mesmo a continuidade de algumas operações relevantes, como a de Serra Norte, em Carajás. A liberação do projeto Serra Sul, ocorrida em junho, representa um marco para a companhia, pois fazia dez anos que não conseguíamos uma licença dos órgãos ambientais para a região.

Essa poderia ser identificada como uma das principais marcas de sua gestão até agora?

Tenho procurado trabalhar com algumas premissas. A principal delas é foco. Achava que a companhia precisava reforçar sua posição, especialmente nas áreas onde temos as maiores vantagens competitivas: minério, níquel, cobre, carvão metalúrgico e fertilizantes. A empresa estava com muitos negócios paralelos e isso não era bom. Também dou muito valor ao trabalho em equipe e acredito que funcionários motivados produzem mais e com mais segurança.

O sr. pretende manter os investimentos na construção de usinas siderúrgicas?

Nos últimos anos, a Vale perdeu muitos clientes devido à decisão de grandes siderúrgicas brasileiras, como Usiminas e CSN, que optaram por atuar de forma verticalizada, explorando seu próprio minério. Por conta disso, nossa fatia de mercado, que já foi de 70%, caiu para 50% e deverá se reduzir a 29% , em 2014. O mercado local é estratégico para nós e é por isso que estamos desenvolvendo parcerias com siderúrgicas estrangeiras interessadas em investir nessa área no Brasil.

Mas a Vale pretende ser uma empresa minero-siderúrgica?

Não. O futuro da Vale é ser a melhor empresa de mineração do mundo, trazendo o maior retorno para os acionistas, em um ambiente de trabalho sustentável e excepcional para seus funcionários. As participações em siderúrgicas serão vendidas assim que esses negócios saírem da puberdade e atingirem a adolescência. 

Integrantes do governo federal pregam que a Vale deveria adicionar mais valor aos seus produtos. Como o sr. vê essas críticas?

Em primeiro lugar, gostaria de deixar claro que temos muito orgulho de ser uma empresa produtora de matéria-prima. Assim como os canadenses, os australianos e os sul-africanos, esperamos que os brasileiros reconheçam a contribuição expressiva da mineração para o País.

Depois da aquisição da canadense Inco e da tentativa de compra da anglo-suíça Xstrata, a Vale pretende investir em novas aquisições?

Nosso crescimento será focado no Brasil. Os recursos de que dispomos serão destinados ao desenvolvimento das reservas de Carajás. O projeto Serra Sul, por exemplo, está orçado em R$ 40 bilhões e será o maior já feito por uma empresa privada na história do Brasil.

Fonte: IstoÉ Dinheiro

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